11.3.11

APAGANDO O INFERNO?


Queremos que alguém realmente acabe assim?
Após rever a ascensão da era moderna, o crítico literário italiano Piero Camporesi comentou: “Agora podemos confirmar que o inferno acabou; que o grande teatro de tormentos está fechado por tempo indeterminado e que, após 2.000 anos de horrendas apresentações, a peça não será repetida. A longa estação triunfal chegou ao fim”.  Como uma peça de longa representação, a cortina finalmente desceu, e para milhões ao redor do mundo, a doutrina bíblica do inferno é apenas uma memória distante. Para tantas pessoas, neste mundo pós-moderno a doutrina bíblica do inferno tornou-se simplesmente impensável.


Será que os pós-modernos ocidentais decidiram que o inferno já não existe? Será que podemos achar que a doutrina acabou?   Os Guinness observa que as sociedades ocidentais “alcançaram o estado da pluralização, no qual a opção não é apenas um estado de coisas, mas um estado mental.” A opção tem se tornado um valor em si mesma, ou até mesmo uma prioridade. Ser moderno é ser dependente da opção e da mudança. A mudança se torna a própria essência da vida”;  a opção pessoal se torna urgente; o que o socialista Peter Berger chamou “imperativo herético”. Em tal contexto, a teologia sofre uma transformação rápida e constante, liderada pelos atuais assuntos culturais. Para milhões de pessoas da era pós-moderna, a verdade é um item de escolha pessoal - não a revelação divina. É claro que nós, os modernos, não vamos preferir que o inferno exista.

Este processo de mudança muitas vezes se torna invisível e negado pelos que estão promovendo o mesmo. Conforme David F. Wells comenta: “O ramo da ortodoxia histórica que diluiu a alma evangélica, já está condenada por um mundanismo que muitos deixam de reconhecer como tal, por causa da inocência cultural sob a qual ele se apresenta”. Ele prossegue: “A verdade é que esta ortodoxia jamais foi infalível, nem isenta de manchas e imperfeições, mas estou longe da persuasão de que a emancipação do seu âmago teológico, o qual muito do evangelicalismo está efetuando, tenha resultado em maior fidelidade bíblica. De fato, o resultado é exatamente oposto. Temos agora menos fidelidade bíblica, menos interesse na verdade, menos seriedade, menos profundidade e menos capacidade de falar a Palavra de Deus à nossa própria geração, de modo a oferecer-lhe uma alternativa ao que ela de fato já pensa”.

A questão que nos enche de preocupação é esta: O que aconteceu com o inferno? O que aconteceu para que agora nós achemos que, até mesmo alguns que afirmam ser evangélicos, estejam promovendo e ensinando conceitos como o universalismo, o inclusivismo, o evangelismo postmortem, a imortalidade condicional, o aniquilamento - quando os que são conhecidos como evangélicos, tempos atrás, eram conhecidos porque se opunham exatamente a estas propostas? Muitos evangélicos tentam encontrar qualquer escape de uma doutrina bíblica marcada por tanta dificuldade e embaraço. 

A resposta a estas perguntas deve ser encontrada na compreensão do impacto das tendências culturais e da prevalecente visão mundial sobre a teologia cristã. A partir do Iluminismo,  os teólogos modernos têm sido forçados a defender a exata legitimidade de sua disciplina e propostas. Uma visão mundial secular, que nega a revelação sobrenatural, deve rejeitar o Cristianismo como um sistema de afirmação da verdade. Ao mesmo tempo, ela tenta transformar todas as afirmações da verdade religiosa em assuntos  de opção e opinião pessoal. O Cristianismo despido de sua teologia ofensiva fica reduzido, entre outros [sistemas], a uma simples “espiritualidade”.

Jesus refere-se ao inferno - ou diretamente ou indiretamente -
em 167 versículos nos quatro Evangelhos.
Além disso, existem doutrinas particulares especialmente odiosas e repulsivas à mente moderna e pós-moderna. A tradicional doutrina do inferno como um lugar de castigo eterno é, de um modo especial, escandalosa. Ela é ofensiva às sensibilidades modernas e um embaraço para muitos que se consideram cristãos. Aqueles a quem Friedrich Schleiermacher chamou “desprezadores culturados da religião” são os que mais desprezam a doutrina do inferno. Conforme um observador observou, ironicamente, “O inferno deveria ser refrigerado.”

O Protestantismo Liberal e o Catolicismo Romano modificaram os seus sistemas teológicos, a fim de remover este escândalo.  Ninguém mais corre o perigo de escutar um ameaçador sermão sobre ”fogo e enxofre”, nas igrejas. O fardo de defender e tratar do assunto do inferno foi deixado aos evangélicos - as últimas pessoas que ainda lhe dão importância.

Como é possível que tantos evangélicos, inclusive alguns dos líderes mais respeitáveis do movimento, comecem agora a rejeitar a doutrina do inferno, em favor do aniquilamento ou de outro tipo de opinião [humana]? A resposta, certamente, deve se encontrar no desafio da Teodicia - o desafio de defender a bondade de Deus contra as acusações modernas.

O secularismo exige que qualquer pessoa que fale em o nome de Deus deva defendê-Lo.  As sociedades que dão à luz décadas da megamorte, do holocausto, da explosão do aborto e do terror institucionalizado agora exigem que Deus responda as suas urgentes questões e se redima conforme as suas exigências. No fundo de tudo isso está uma série de inter-relacionadas mudanças culturais, teológicas e filosóficas, as quais apontam para a nossa pergunta: “O que aconteceu com as convicções evangélicas sobre o inferno?”

O primeiro item trata da mudança de uma visão sobre Deus. A visão bíblica tem sido rejeitada pela cultura, como sendo restritiva à liberdade humana e ofensiva às sensibilidades humanas. O amor de Deus foi redefinido, de modo que já não é santo.  A soberania de Deus foi reconcebida de modo que a autonomia humana não seja perturbada. Há poucos anos, até mesmo a onisciência de Deus foi redefinida, para significar que Deus conhece perfeitamente tudo que Ele possa conhecer perfeitamente, porém  não pode, possivelmente, conhecer um futuro embasado nas livres decisões humanas.

Os revisioinistas evangélicos  promovem uma compreensão do amor divino, a qual jamais será coerciva, desalojando qualquer pensamento de que Deus possa enviar os impenitentes para o castigo eterno, nas chamas do inferno. Eles estão tentando resgatar Deus da má reputação que Ele adquiriu, por se associar aos teólogos que, durante séculos, ensinaram a doutrina tradicional. Deus não é exatamente assim. Ele jamais condenaria pessoa alguma - mesmo sendo culpada - ao tormento e angústia eternos.

O teólogo Geerhardus Vos admoestou contra a abstração do amor de Deus dos Seus demais atributos, observando que, conquanto o amor de Deus seja revelado como sendo o Seu atributo fundamental, Ele também é definido pelos Seus demais atributos. É bem possível “superenfatizar este lado da verdade, ao ponto de chegar à negligência de outros princípios e exigências excessivamente importantes do Cristianismo”. Ele acentuou: “Isto poderia levar a uma perda do equilíbrio e do comedimento. No específico caso do amor de Deus, muitas vezes ele conduz a um sentimentalismo não bíblico, no qual o amor de Deus se torna uma forma de indulgência incompatível com o Seu ódio ao pecado”.

Nesse caso, a linguagem dos revisionistas é particularmente instrutiva. Qualquer Deus que agisse conforme a doutrina tradicional seria “vingativo”, “cruel”, e “mais semelhante a Satanás do que a Deus”. Clark Pinnock fez da credibilidade da doutrina de Deus o foco central de sua teologia à mente moderna: “Creio que, a não ser que descrição de Deus seja compelativa, a credibilidade da crença em Deus será levada ao declínio”.  Mais tarde, ele sugeriu: “É mais fácil, hoje em dia, convidar as pessoas a encontrar realização num Deus dinâmico e pessoal do que pedir-lhes para encontrá-la numa divindade imutável e auto-suficiente”.

Ainda ampliando este argumento, certamente seria mais fácil persuadir as pessoas a crer em um Deus pregado por Jonathan Edwards ou Charles Spurgeon. Mas a questão urgente é esta: Será que a teologia evangélica está em vias de negociar Deus com a nossa cultura contemporânea, ou é nossa a tarefa de permanecer na continuidade da convicção ortodoxa bíblica - a qualquer preço? Como já foi dito, as pessoas modernas exigem que Deus seja um humanitarista e se adapte aos moldes humanos da justiça e do amor. No final, somente Deus pode Se defender dos Seus críticos.

No oratório de Georg Friedrich Händel - o Messias - todos no
céu louvam a Deus - no 42º movimento (Aleluia) - por Sua
santidade e justiça demonstradas pelos anjos quando jogam
pecadores no lago de fogo por toda a eternidade.
Nossa responsabilidade é apresentar a verdade da fé cristã com ousadia, clareza e coragem - e defender a doutrina bíblica, nestes tempos que exigem todas estas três virtudes. O INFERNO É UMA REALIDADE CONCRETA, CONFORME É APRESENTADO CLARAMENTE NA BÍBLIA. (ênfase da Tradutora]. Fugir desta verdade para reduzir a força do pecado é perverter o Evangelho e alimentar mentiras. O inferno não está em votação, nem aberto à revisão. Devemos nos render aos cépticos modernos?

As modernas controvérsias levantam este assunto novamente entre os críticos americanos e até mesmo entre alguns evangélicos. Mesmo assim, não há como negar o ensino bíblico sobre o inferno. Nenhuma doutrina permanece isolada.

Dr. Albert Mohler é autor, preletor e presidente do Seminário Teológico Batista do Sul em Louisville, Kentucky - EUA

Traduzido por Mary Schultze, em 11/03/2011

Um comentário:

Diogo Carvalho disse...

Excelente texto. Nunca percamos de vista esta dura e inafastável realidade.